As tecnologias antigas e a construção contemporânea

Tecnologias e materiais modernos permitiram grandes superações na construção civil, ao mesmo tempo em que criaram uma relação de dependência do setor em relação à indústria.
Em alguns casos, as pessoas aceditam que as grandes soluções são todas modernas. Mas muitas soluções geniais já existem há, literalmente, milênios.
Por isso, chamo atenção para esse exercício de revisitar construções antigas com o olhar para as técnicas tradicionais e como podemos incorporá-las nos dias de hoje, com o olhar para ganho de eficiência, redução de custos e para a geração de valor ambiental, econômico e social.
As pontes tradicionais, por exemplo, podem ser construídas apenas com ferramentas de metal básicas, pois requerem somente pedra e argamassa; às vezes, somente pedra! Não é necessário utilizar aço industrializado, nem cimentos especiais, nem máquinas movidas a combustíveis fósseis, nem produtos químicos complexos, e cumprem a sua função, com segurança, até os dias de hoje.
Para ilustrar melhor, começarei falando da questão dos vãos na construção civil. Um dos problemas prioritários na construção civil sempre foi a superação de vãos, ou seja, encontrar meios para tornar transitáveis os espaços intransitáveis, que são obstáculos ao trânsito de pessoas, veículos etc como, por exemplo, um rio que separa duas margens. O vão pode ser também a distância entre dois apoios, como a que existe entre duas paredes.
O Pártenon, por exemplo, construído em 438 a. C. pelos gregos, para servir de templo e onde era guardado o dinheiro da cidade, tinha uma distância entre as colunas em um tamanho muito menor do que é possível construir hoje, tendo cerca de 4,3 metros.

Medidas do Pártenon. Fonte
Isso ocorre porque quanto maior o vão, mais difícil é superá-lo, devendo ser aplicados mais recursos, técnica e conhecimento de estrutura na sua construção, indisponíveis na época. Por esse motivo, o vão do Pártenon é bastante estreito para os padrões atuais.

Foto do Pártenon com pessoas para dar uma ideia de escala. Fonte
Falso Arco
Historicamente, uma das primeiras soluções encontradas para superar vãos foi o empilhamento sucessivo de pedras, como nas duas figuras a seguir abaixo, que mostram a entrada do tesouro de Atreus (construído por volta do ano 1250 a.C, quase um milênio antes do Pártenon). A principal limitação desse tipo de solução é sua baixa capacidade, que viabiliza somente vãos mais estreitos.

Entrada do Tesouro de Atreus. Fonte: Wikipédia

Princípio básico do empilhamento sucessivo. Fonte: Wikipédia
Arco Verdadeiro
Posteriormente, os romanos desenvolveram e levaram à perfeição a técnica do arco, tornando possível vencer vãos muito maiores, como na foto abaixo, que mostra a “Pont du Gard”, construído no século I, na Gália Narbonense - atual sul da França, que tem vãos cinco vezes maiores que o Pártenon, de cerca de 20 metros.

Aqueduto romano "Pont du Gard". Fonte: Wikipédia
Arcos Contemporâneos
No século XIX, o aço passou a ser utilizado como recurso para ampliar o tamanho dos vãos, complementando a função estrutural da rocha, como aplicado na ponte sobre o rio Colorado nos EUA, onde foi possível construir um vão de 373 m, mostrado na figura abaixo, 73 vezes maior que o Pártenon.

Ponte sobre o Rio Colorado na represa Hoover. EUA. Fonte: Wikipédia
Caso seja utilizado somente aço, os vãos atingidos podem ser ainda maiores, como é o caso do vão da ponte New River Gorge nos EUA, acreditem, 120 vezes maiores que o Pártenon, com seu incríveis 518 m, mostrado na foto abaixo.

Ponte sobre o rio New River, West Virginia. Fonte: Wikipédia
Solução Tradicional
No século II, entre os anos 103 e 105, o imperador Trajano construiu a maior e mais fantástica obra de engenharia jamais construída até então, a ponte sobre o rio Danúbio, para submeter os dácios, e que venceu uma distância de mais do que o dobro das duas pontes mencionadas acima, como mostrado na foto abaixo em gravura.

Ponte de Trajano. Fonte
Essa ponte venceu 1135 metros com arcos de 51 metros (12 vezes maior que o do Pártenon). Veja uma réplica mostrando esses arcos na foto abaixo.

Museu dos Portões de ferro na Dácia (atual Romênia).
Conclusão
Podemos ver que é possível, em muitos casos, atender às nossas necessidades usando técnicas simples, baratas e duradouras, que passaram no teste dos milênios. Diante dos desafios colocados pela questão da sustentabilidade, agregar a herança deixada pela experiência da engenharia dos nossos antepassados não só é possível, como é benéfico e mais necessário do que nunca.
Davi Desimon é engenheiro civil e estudioso da História da Engenharia.
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última atualização em Abril/2018